segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

É DANDO QUE SE RECEBE??

Essa antiga e sábia expressão se tornou tão popular hoje em dia que, eu tentando ser um bom blogueiro aqui, fui pesquisar o "é dando que se recebe" na internet antes de começar a escrever, e é impressionante a variedade de utilidades que essa expressão tem recebido. Sob esse título tem de tudo, tem vídeo de Edmundo (ex-flamengo) dando um tapa noutro jogador e recebendo um tapa e um soco de volta, tem textos sobre corrupção, o "ajuda-ajuda" suspeito de políticos "por baixo dos panos", e tem até uma conotação bem diferente como título de filme pornô. Essa frase realmente "caiu na boca do povo".

Vamos ver os significados mais comuns que temos então (em ordem aleatória):

É dando que se recebe 1: Uma mão lava a outra! Troca de favores.
É dando que se recebe 2: Bateu, levou! A justiça tarda mas não falha.
É dando que se recebe 3: Você recebe o equivalente àquilo que você dá. Lei de causa e efeito.

Ok, são três significados aparentemente diferentes, mas vamos tentar nos aprofundar aqui. Todos os três têm um teor parecido, um teor contábil lógico como se fosse um cálculo. Essa frase traz uma questão íntima e até abstrata, mas esse seu uso a reduz a uma simples questão de logística, que deixa muita gente confusa e insatisfeita com essa "lei", e nem podem ligar para o SAC do Universo reclamando "ei! paguei e não recebi!" É claro que a questão de causa e efeito muitas vezes se faz sentir, como a bola arremessada contra a parede volta na sua direção, apesar de não ser tão simples assim quando tratamos de atitudes ao invés de objetos. Mas mesmo assim, será que não tem nenhum significado faltando?

Buscando as origens de tal expressão, encontra-se uma outra parecida, nas palavras de Jesus na Bíblia: "Dai, e ser-vos-á dado; boa medida, recalcada, sacudida e transbordando, vos deitarão no vosso regaço; porque com a mesma medida com que medirdes também vos medirão de novo." (Lucas 6:38). Esse contexto nos leva novamente à questão da lei de causa e efeito. Mas há ainda um outro contexto a ser analisado, a expressão exata usada por Francisco de Assis em sua oração mais famosa:

"Senhor, fazei-me instrumento de vossa paz.
Onde houver ódio, que eu leve o amor;
Onde houver ofensa, que eu leve o perdão;
Onde houver discórdia, que eu leve a união;
Onde houver dúvida, que eu leve a fé;
Onde houver erro, que eu leve a verdade;
Onde houver desespero, que eu leve a esperança;
Onde houver tristeza, que eu leve a alegria;
Onde houver trevas, que eu leve a luz.
Ó Mestre, Fazei que eu procure mais
Consolar, que ser consolado;
compreender, que ser compreendido;
amar, que ser amado.
Pois, é dando que se recebe,
é perdoando que se é perdoado,
e é morrendo que se vive para a vida eterna."

Na parte em que destaquei em itálico, São Francisco se refere a dar sem necessariamente receber (mais consolar que ser consolado, etc.) E por que? Porque é dando que se recebe. Ou seja, ser capaz de dar algo já é um prazer. Ele recebe a possibilidade de consolar, de compreender, de amar, e isso já é a maior dádiva que ele pode receber. Ele se sente feliz em ajudar, em dar. O que quer dizer que ao dar, ele já está recebendo. É dessa forma que se consegue alcançar o nível de dar sem esperar nada em troca.

Voltemos um pouquinho à Bíblia, pra ver que a interpretação de trechos isolados nos dão uma visão limitada da situação. No mesmo capítulo de Lucas, apenas quatro versículos antes daquele citado acima, Jesus diz:

"E se emprestardes àqueles de quem esperais tornar a receber, que recompensa tereis? Também os pecadores emprestam aos pecadores, para tornarem a receber outro tanto.
Amai, pois, a vossos inimigos, e fazei bem, e emprestai, sem nada esperardes, e será grande o vosso galardão, e sereis filhos do Altíssimo; porque ele é benigno até para com os ingratos e maus."

Dá pra ver que além da causa e feito, há outro assunto importante, que foge da questão matemática do que se possui e o que vai deixar de se possuir. Trata-se de uma doação que não pensa "o que eu ganho com isso", e que por não pensar nisso, já ganha muito. Essa seria a tal "forma correta" de dar e receber, pois ambos estariam inclusos num mesmo ato.

Lógico que há várias outras análises que podem ser feitas desses textos, mas seria bom se pelo menos tivéssemos uma visão menos limitada do "é dando que se recebe", não acha?

Nenhum comentário:

Postar um comentário